Sabe
aquelas histórias que você daria tudo para não saber? Aquelas que
mudam a forma como se encara algumas coisas porque se descobre que a
verdade tem vários lados? “Não há nada que justifique tapa, mas
algumas vezes é preciso bater; todos temos direito, mas às vezes
tem-se de excluir.” A Cidade de Plástico é uma favela urbana a
beira mar localizada no subúrbio ferroviário de Periperi em
Salvador, Bahia. Algumas vezes eu fui abordado pela polícia lá
dentro, encontros tão estressantes pra nós, pra eles, pros
moradores, quanto perigosos, pois é uma área visada pelo tráfico
e, consequentemente, da polícia. Graças a Jah não deram em nada.
Tenho
amigos lá na na CDP, tenho trabalho lá, faço música lá, “perco”
muito do meu tempo dedicado àquele lugar e as pessoas que vivem lá.
Vi muita gente entrar no movimento sem-teto, uns sem nada outros com
uma vida enorme na mudança, todos numa mudança enorme de vida.
Pessoas querendo sumir, pessoas buscando uma oportunidade para
aparecer. Mas de uma hora pra outra e sem aviso prévio tudo pode
mudar ainda mais numa ação mal executada da polícia, ou numa
discussão mal resolvida de vizinhos ou de negociantes.
No dia
12 de maio, mataram uma garota na Cidade de Plástico. Ela nem morava
lá, morou em minha rua, estava só visitando uma tia. Só fui saber
que era ela no dia seguinte quando lembrei de sua irmã gêmea e sua
outra irmã, seus primos... senti raiva. Na ação da polícia, a
favela seria cercada e quem corresse seria fuzilado lá do alto.
Houve um disparo, corre-corre, vários outros disparos e então
começou a confusão. Dizem que um policial saiu sendo amparado pelos
colegas, dizem; que ele chorava por ter atingido uma inocente, dizem;
ela já tinha fugido do tiroteio e fechava a janela da casa da tia,
dizem... dizem. E eu só vi parte da confusão pela TV. Fecharam a
suburbana, queriam fechar a quinta delegacia, porque não se pode
entrar em favela alguma matando aleatoriamente.
No dia seguinte, o encarregado de se pronunciar em nome da PM disse na TV
que o tiro que matou a garota fora dado a queima-roupa, logo, não
poderia ter sido disparado pela polícia. Eles dizem qualquer coisa
para se evitar a revolta, mas não deixam de causar sofrimento a quem
já carrega tantos fardos. A garota não tinha nada a ver com armas
ou drogas, e morreu, e isso ninguém evitou. Como ninguém evita a
violência doméstica de todo dia, ou os maus-tratos com os menos
favorecidos, o machismo, o preconceito de cor e de credo. E quem se
pronuncia pelas vítimas?
A
polícia faz seu trabalho contra o crime; a televisão, contra o
silêncio dos inocentes; o povo apenas finge que vive sua própria
vida mas segue sendo escrava e escravizando a si próprio com hábitos
viciosos e nocivos a qualquer vida e sociedade. Ainda conheço homens
que acreditam que devem espancar “suas” mulheres para que estas
lhes respeitem, batem e estupram, e o mais incrível é que algumas
aceitam essa condição não sei se por prazer ou por desconhecer uma
outra possibilidade.
A
garota morta pode ter sido queima-de-arquivo, pode ter sido bala
perdida, mas se para uns é apenas mais um número de estatística,
para a família e os moradores da CDP não. Pra mim que a conhecia
apenas de vê-la aqui no bairro é assustador. Ela não frequentava
os mesmos lugares que eu, mas tínhamos amigos em comum e assim como
foi ela, a vítima, poderia ter sido qualquer um dos nossos amigos
que frequentam a Cidade de Plástico. O que podemos notar é que a
polícia é reflexo do povo ao qual serve, então: CHEGA DE
VIOLÊNCIA!