segunda-feira, 26 de abril de 2010

Lendas do velho subúrbio: Uruvango

"Eu sou independente! mato um sacana na hora! Maaaaato!!! Faz faz!" Gritava Uruvango quando bêbado e revoltado com mais alguma injúria que lhe acometeu o destino. O que era muito engraçado é que quando ele queria dizer "Fácil, Fácil" sua voz ficava muito fina e, ainda por cima, soluçava, mas eu ficava debaixo de minha cama, me mijando de medo. 
Certa vez, Uruvango me fez correr que nem um louco do boteco do Neco, somente por eu ter olhado em seus olhos de gorila faminto. Eu realmente o temia mais que ao "Mala Man", que é uma outra história. Eu estava indo neste boteco, porque lá também vendia as benditas figurinhas as quais eu era um ávido colecionador, porém nunca muito sortudo. Na época, os tais álbuns davam prêmios para quem os preenchesse, ou a algumas páginas selecionadas que davam prêmios menores( maior normalmente era uma bicicleta, mas eu ainda nem sabia andar sobre duas rodas), aliás eu nunca consegui ter saco para ficar procurando por um prêmio, que nunca chegava pra ninguém porque as revistas, simplesmente, paravam de vender as figurinhas, para venderem uma outra coleção de prêmios nunca distribuídos (é assim que o homem prepara as crianças para se tornarem vorazes adultos consumistas e produtores irracionais de lixo.).
Eu estava muito feliz, porque minha mãe tinha "jogado em minha mão" uma moeda de 25 cruzeiros e isso dava pra uns nove pacotes "na brodagem". Se aquele fosse meu dia de sorte eu poderia até completar meu álbum (Ó que porra!), mas aquela aparição fantasmagórica me fez correr tão rápido, sob o calor insuportável do meio-dia, que teria sido um recorde mundial. Eu pulei o muro, que naquela época ainda poderia ter até menos de um metro, e entrei em casa como uma flexa pra me malocar debaixo da cama, onde Uruvango não poderia me alcançar, pois há muito tempo eu tinha lhe preparado uma armadilha que felizmente eu nunca tive oportunidade de usar. Ainda perdi meus 25 cruzeiros na correria.
Aquele cara era temido por toda a gurizada. Muitos contavam que já foram perseguidos por ele, e sei até de um que foi perseguido, alcançado, tomou uns tapas na cara e ouviu uma lição de moral por ter derramado sua comida que estava colocada no chão, e vocês sabem como são os garotos, né?
Um dia eu vi Uruvango dentro de minha casa, cortando umas plantas a pedido do namorado da minha mãe, que também lhe pagava umas doses de cachaça de vez em quando. Eu acabei dormindo embaixo da cama nesse dia, pois ninguém foi capaz de me tirar de lá até a manhã seguinte.
A sua "casa" era exatamente ao lado da minha, parecia um iglu feito de metal. Contava-se àquela época que ao adentrar em seu barraco o indivíduo era conduzido a um luxuoso andar inferior, onde  festas espetaculares regadas a champagne e vinho, aconteciam de tempos em tempos.
Periperi era um bairro ainda em "desenvolvimento" e cercado por matas e brejos e histórias tão estranhas quanto absurdas de criaturas enigmáticas, ora fascinantes, ora assustadoras, mas certamente reais em minha "viagem" infantil.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Qual é o mundo real?

De onde vem o desespero? O que leva algumas pessoas a tirar a vida de outras? Medo? Raiva? Ignorância? Fraqueza? De onde vem a força necessária para se cometer crimes tão hediondos que mesmo com o passar do tempo nenhuma explicação é racional o bastante? Será que na cabeça dessas pessoas não existe nenhuma humanidade? Em que será que essas pessoas acreditam? Deus? Pátria? Dinheiro? Tudo o que eu consigo enxergar é insanidade e não vejo nenhum outro caminho que não seja a ajuda mútua. Não acredito que cada pessoa deva viver de acordo com suas próprias regras, pois isso é o que tem tornado as pessoas cada vez mais frias, solitárias e insensíveis. Estamos cada dia mais perto de um fim tão melancólico quanto estúpido, mas o nosso pensamento está voltado apenas para o pão nosso de cada dia mais caro e menos nutritivo.
Aprendemos tudo de uma maneira equivocada em nossa infância e depois de algum tempo, já cientes do que somos, seguimos os caminhos tortuosos por acharmos que se assim nos foi ensinado é assim que devemos viver: nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer. Isso está mais para uma criação de gado do que para a vida humana. Temos uma “Bíblia Sagrada” cheia de heresias, mas que de algum jeito sempre se interpreta de uma maneira que alguém seja punido por seus atos inocentes enquanto a quem interessa são as palavras da salvação. Vivemos de uma maneira em que só o dinheiro nos alimenta e nos dá prazer e por ele as pessoas matam umas às outras, sem nenhuma distinção de raça, cor, religião, parentesco ou amizade.
As pessoas se odeiam e não escondem isso. Odeiam as pessoas felizes, os bem-sucedidos, os salafrários, os miseráveis, os religiosos, os sorridentes, os depressivos, as pessoas de cor diferente e as pessoas de pensamento diferente. Em algum momento no dia a dia nada disso é tolerado. Só o que importa é o nosso bem estar e a segurança de que tudo em nosso “mundo ilusório perfeito” esteja protegido, entretanto não garantimos nenhuma proteção a nós mesmos, pois a cada novo dia “uma nova ameaça tem que ser combatida”.
As pessoas parecem não entender que temos penas esse mundo para conviver, que todo o dinheiro do mundo não adianta, que podemos orar e jejuar uma vida inteira, mas nada vai nos trazer a tranqüilidade de um mundo melhor se não cooperarmos uns com os outros sem distinção, pois todos temos direito à vida que nos foi animada. Temos a obrigação de cuidar uns dos outros e garantir que todos tenham consciência de sua responsabilidade com o próximo, pois todos estão sob a mesma atmosfera.
Sei que é uma utopia, mas não podemos simplesmente fingir que alguém tenha uma vida perfeita enquanto tem medo de sair à noite, tem raiva de quem lhe trata mal, ignora a realidade do vizinho e é fraco para lutar contra todo um sistema político burocrático e uma filosofia de vida egoísta. Esse não é o mundo que queremos viver. Ou será que é?

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Desde, lá de trás

A selvagem luta pela sobrevivência faz das suas vítimas alimentos da alma
Os algozes, vorazes, famintos não se detém em pensamentos puros
A triste sorte dos infelizes não é capaz de deixar lágrimas rolarem
É apenas mais uma vida que alimenta outra

A terra segue protegida pela umidade das folhas mortas
Abaixo dessa pele úmida 
Mais vida
Mais morte
Nenhum espaço a percorrer

As informações trazidas pelo vento dizem que ao sul a oferta de alimento é maior
Não há nada que possa fazer se chegar até lá
Trilham-se caminhos retos em direção ao alívio
Não se imagina nada, apenas segue-se

Sortilégios de uma grande jornada
Sem dúvidas, certezas
Apenas a esperança encontrar alento
Alimento para o corpo que carrega um espírito
Que não se sente
Que não se vê
Que acredita na chuva, na noite, no sol, na brisa

Tudo o que importa é seguir
Para frente, adiante e para além
Atrás de mais uma vítima
Atrás de mais uma vida

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Sem pânico e sem ódio

Eu não me lembro há quanto tempo eu não sofro uma ameaça real à minha vida. Não que eu sinta falta disso, acho que ninguém sente, mas, como em tudo, uma hora algo acontece e o cara começa a repensar todas as suas decisões até chegar a esse momento, o momento que pode subtrair toda sua esperança de continuidade da vida.
Estávamos ali na praia, tocando violão, fumando, conversando como qualquer pessoa num início de noite. Dois jovens caminham pela praia, não parecem ter mais de 13, não parecem interessados em nós, não parecem vir em nossa direção. De repente um deles diz qualquer coisa, que eu não dou a menor atenção, apenas cumprimento-o com um salve, o outro se protege da luz, e mostra o "ferro", diz que pra andar logo. Enquanto meu espírito não entende o que aquelas pobres almas queriam, meu amigo lhes informa que somos locais e que estamos apenas fazendo um som e cumprimenta um dos guris que confirma sua história e faz sinal para o fotofóbico armado que deve nos deixar em paz. Os garotos retornam para a escuridão de onde saíram, nós voltamos para o nosso som.
Meu espírito perdido faz uma prece para que nada de mal lhes aconteça ao mesmo tempo em que agradece por nada nos acontecer.

Se chegue

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