Após um breve passeio pela praia
quase deserta, invadida apenas por uns poucos atletas e pescadores inveterados,
que não temem um pouco de vento e a fina garoa que caía, na manhã fria desta
terça-feira, pude verificar, para meu desagrado, que as pessoas são os animais
mais irracionais do planeta, pois fazem coisas as quais não tem nenhuma
justificativa e a justificam de uma maneira ilógica.
Enquanto Reiko caminhava livre ao
meu lado tranquilamente, uma dessas atletas de estação, que se preparam no
inverno para terem o corpo sarado no verão do “pecado”, da tentação e da
putaria, se aproximou de mim e perguntou-me se o cão mordia. Respondi-lhe que não,
mas que, no entanto, era muito brincalhona, neste momento, Reiko se acercou
dela, farejou-lhe as partes e quis fazer amizade, pois via que eu interagia com
a moça. Não tinha uma atitude agressiva estava apenas curiosa. Sempre achei que
seria muito engraçado se as pessoas também fizessem isso para se cumprimentarem:
“Oi, amigo! Hum, você está comendo muito feijão...” mas os cães também não
falam, vai ver por isso precisem se cheirar tanto. Tenho a impressão de que
nosso cheiro diz muito mais a nosso respeito do que quaisquer palavras que possamos
inventar, mas nossa capacidade, ou talvez a vontade, de perceber no cheiro das
coisas ficou perdida em algum lugar da nossa evolução. Pode ser que
simplesmente não nos damos conta, mas os caninos, sim. Chamei-lhe junto a mim,
o que ela fez sem nenhum esforço, madame continuou seu cooper praguejando contra
mim e a cadela que deve tê-la assustado deveras, pois se trata de um animal
razoavelmente grande. “Devia deixar na coleira!” Disse ela por fim. “Quem
deveria ter uma coleira era você, sua puta!” pensei eu, mas me envergonhei no mesmo momento. Que culpa tem ela se no mundo em que vive as
pessoas tem o hábito de determinar como o outro deve dirigir a própria vida?
Eu era um “negro” com um
“vira-lata”, ou poderia ser um “artista” com seu “pet”, ou um “adestrador”, ou mesmo
um “marginal” com seu “mascote”. Ela poderia ser médica, advogada, presidente,
garota de programa, que importa? Eu tinha por hábito tentar adivinhar o que se passava
na cabeça das pessoas com quem eu cruzava durante os passeios, mas essa curiosidade,
simplesmente, deixou de existir, pois no fim das contas era puro entretenimento
e às vezes se tornava uma sessão interminável de desagrados, porque mesmo que
elas fizessem um mau juízo de mim, isso não me dava direito algum de lhes
dirigir palavras. Na verdade eu comecei a não ter mesmo vontade de falar com
quem quer que fosse.
Ao atravessar a avenida, voltando
pra casa depois de aproveitar um pouco de solidão com vista pro mar, alguns
carros avançaram sobre a faixa sem esperar que eu terminasse de fazer minha
travessia, mas eu me contive em correr e continuei caminhando calmamente com
Reiko ao meu lado, como se fôssemos revestidos de aço invisível. Um motoqueiro
chegou mesmo a me olhar nos olhos antes de acelerar sua carniça e partir a mil.
Ninguém buzinou, mas na agonia apressada de uma manhã tão sombria que parecia
até filme de Tim Burton, eu quase pude sentir o ódio por trás dos parabrisas.
Aí eu chego em casa (casa de Brust)
e descubro que é o dia do sexo. “Por isso tanta gente querendo que eu me
fodesse”, pensei, mas eu sabia que era apenas um dia normal para todo mundo e a
maioria não tá indo nem vindo pra dia disso ou daquilo. Só querem ter a chance
de sacanear um pouco mais qualquer desafortunado e praguejar contra aqueles que
estão apenas vivendo melhor suas vidas; por nenhum motivo especial, só porque
se acostumaram a não querer bem ao próximo, principalmente os que não saem de
casa sem um bom motivo pra sorrir, ou servir. Elas odeiam aquelas outras pessoas
que não passam o dia inteiro correndo atrás do sucesso que vai lhes tirar da
mediocridade que é a vida urbana. Odeiam tanto que nem mesmo percebem que
respirar já é mais do que demais; que o sexo é uma troca e não um suborno; que
o dia pode ser radiante mesmo embaixo de nuvens opacas; que fazer um julgamento
fudido tem remédio, mas uma ação contra alguém, um inimigo desavisado de seu
opositor, pode não ter.
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