Schopenhauer, em algum momento da sua "Arte de Ecrever" (Parerga e Paralipomena) diz que é bom que se faça uma pausa na leitura para que se consiga escrever bem; é preciso ter a mente livre de estilos literários, vícios de linguagem, técnicas mirabolantes de grafia e pontuação etc. Eu tento escrever, mas não consigo encontrar maneira quando estou lendo alguma coisa. Parece que a leitura acaba se tornando mais importante que tudo, basta o livro ser bom.
Eu fico fascinado com a forma como alguns escritores constroem o perfil psicológico de um personagem, com todos os detalhes sórdidos de seu caráter, como o Dostoiévski; a descrição de um praça, vila, rua; a definição de uma bela moça, como o Machado de Assis e tantas outras fórmulas mágicas de se fazer o leitor ir onde não tem um caminho, mas que quando se alcança se pode voltar sem se perder. Isso é arte. O que eu escrevo é só desgraciosidade mesmo. Precisa de muita inspiração.
Às vezes eu quero contar uma história, mas fico tão sem vontade de fazê-lo, quando me dou conta que é uma bobagem desinteressante, que me abstenho. É que enche o saco falar de minha vida cheia de aventuras desventurosas. Parece que eu estou tentando convencer a alguém que sou um pobre infeliz, e embora eu saiba que isso não tem verdade nem importância, ainda tenho o problema de que eu não me sinto capaz de fazer de uma história banal algo interessante. Pra piorar eu tenho uma péssima memória e uma paciência bem pequena para descrever profundamente qualquer situação, pois minha peculiar maneira de enxergar o mundo me torna um panaca de marca maior.
Shakespeare e Garcia Marquez têm inspirações diferentes para uma tempestade e em ambas pode-se sentir o cheiro do vento e até mesmo alguns pingos a molhar o rosto, mas quando chove em minha mente parece que tudo morre afogado, inclusive a história.
É uma loucura.
Não é literatura.
Dia desses saindo da Lapa, um maluquinho veio caminhando ao meu lado me me pediu 2 reias...
- Porra, man! Eu só tenho os 2,50 que vou pra casa.
- É niuma! Eu tô até armado aqui, mas eu tô ligado que você é favela...
- É, man! Correria da porra!
- Fique na sua, véi! Precisa correr não...
- Porra, man! Eu ando rápido!
Cheguei na casa da figura tão puto com o maluco que me esqueci completamente o que tinha ido fazer lá.
Fiquei me lembrando do dia que assaltaram o buzu a facão e de como eu agradecera a deus por não ter ninguém com arma de fogo, o que transformaria o assalto numa carnificina; pensei em mim portando arma de fogo no momento em que o maluco se declarou armado. Tive raiva por não portar, depois tive raiva de não lhe bater, e mais raiva por não ter lhe dito nada de mais inteligente, ou talvez qualquer conselho idiota que fosse lhe mudar a vida... fiquei com muita raiva de mim, mas guardei.
Dois dias depois, uns brothers passaram lá em casa tarde da noite a fim de trocar uma idéia, e como em casa é difícil, fomos ao cais fumar um e falar da vida. Nem dei dois tragos, a polícia aparece e o beck é jogado na maré...
- Mão na cabeça todos 3! O que é que vocês tão fazendo aqui uma hora dessas?!
- Eu tava em casa e o brother passou lá depois do trabalho pra trocar uma idéia...
Baculejo pente-fino. O maluco passeou a mão por meu bolso umas 15 vezes procurando não sei que porra se a única coisa que podia não ser reconhecida apalpando eram duas cédulas (2 e 10 reais).
- Você mora onde?
- Mirantes
- E você?
- Periperi
- E você, negão?
- Aqui mesmo em Periperi. - Era uma resposta cretina, visto que a gente estava na frente da Cidade de Plástico do outro lado do bairro, mas ele não queria meu endereço, queria mais era encher o saco.
- Ó seu dinheiro aqui. - disse o policial enfiando novamente a mão em meu bolso colocando de volta os 12 reais.
Eu estava mais uma vez puto de raiva porque, como na Lapa, eu não procurei alimentar conversa e, como também naquele dia, acabei ficando de cara. Os caras foram embora depois de falar um monte sobre a maconha, o tráfico na CDP(que ele provavelmente não sabe que não existe mais há um tempo) e até sobre viadagem os animais fardados falaram...
- Fica aí no cais uma hora dessa, 3 caras...
Voltei pra casa mais uma vez puto. Fiquei com um sentimento de fúria silenciosa.
No dia seguinte eu tive a iluminada sensação de que o mundo não estava contra mim, na verdade eram avisos de que algo muito maior iria acontecer, talvez algo bem ruim. Várias vezes eu me livrei de acidente assim, mesmo sem saber como havia chegado à conclusão de que não deveria fazer determinada coisa.
Desde o dia 1º de abril eu tenho sofrido uma série de desventuras, e em todas vieram sinais anteriores que eu deveria ter seguido em frente sem pensar muito nas conseqüências, pois tudo sempre acaba bem. E a verdade é que mesmo perdendo coisas ainda vale a pena ter essas histórias pra contar. Na maioria delas não há beleza alguma, nem sentimento, nem nada. Tudo o que pode acontecer é o que acontecer daqui pra frente e isso pra mim basta.
Eu não acredito que Schopenhauer esteja certo em julgar que a leitura atrapalhe a escrita, pois a qualquer momento o indivíduo pode não ter mais a chance de escrever e suas idéias, mesmo que ainda não estejam plenamente formuladas, podem, e devem, ser ao menos consideradas.
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