terça-feira, 10 de julho de 2012

Diários de viagem - Mucugê, 27 de abril de 2012



Chegar em Mucugê foi mole, apenas 23km de pedalada e o trecho mais punk, que era a saída de Igatu, era de uma beleza tão inebriante que eu nem percebi a dureza da subida da serra: uma estrada de terra e pedra ladeada por paredões exuberantes, arbustos, árvores imensas, nascentes, um universo magnífico de pássaros de todas as cores e cantos. Nesse "calvário" eu vi a maior concentração de beija-flores em uma mesma árvore que desabrochava suas flores em um lilás tão claro como o próprio dia. Duro foi chegar em Igatu anteontem à noite.
Saímos de Itaeté às 11h da manhã porque quem consertaria a bicicleta de Tetéu, só foi chegar "da roça" às 10h. Na verdade até encontramos uma outra oficina, mas confiamos na dica de Américo (o dono da pousada em que estávamos hospedados e também é secretário do meio-ambiente) e Tetéu preferiu esperar pelo tal do Loy (o bicicleteiro) que apareceu para mim mais como um "pacuí"com seu litrão de pinga.
Américo nos deu várias dicas de passeios para que aproveitássemos melhor a estadia em Itaeté. Infelizmente nosso tempo e grana não eram compatíveis e tínhamos uma meta a cumprir: chegar em Guanambi para o 1º de maio. o que nos impedia de nos demorar demais em qualquer lugar.
Desde a chegada na cidade que perguntamos a um e a outro onde consertar a bike, mas o único lugar que encontramos estava fechado e na casa contígua do dono ninguém nos atendeu. O Américo (também ciclista) então nos falou de Loy, que montara sua bike alguns dias atrás, mas ele já dormia e apenas na manhã seguinte poderia nos salvar. O problema foi que quando Tetéu lá retornou às 7h ele já havia saído pra roça, mas retornaria ainda pela manhã. Enquanto eu esperava, escrevia. Tetéu foi até lá mais uma vez e encontrou o sujeito, comprou o câmbio novo e retornou para arrumar a bagagem.
Depois fomos juntos até a oficina de Loy e aí eu pude conhecê-lo (que ser humano mais fantástico!). Sua simplicidade se confunde com desmazelo, parecido comigo nesse ponto, e sua simpatia, que em Salvador seria confundida com esperteza de hippie, é apenas o cuidado com as pessoas que ele preza e com quem mantém contato. 
Ele tem uma bike de 3m de altura que não sei onde eu estava com a cabeça quando topei dar uma volta. Minhas pernas nem cabiam no espaço entre o banco e o pedal, mas eu fui assim mesmo e não caí (uma queda daquela altura ia ser um estrago enorme). Entre uma dose de abaíra e outra ele consertou a bike e logo depois já estava consertando uma moto com seu bom-humor e seu papo de "bicho-grilo-pós-moderno" formidável. 
O encontro com Loy foi uma espécie de preparação para  que estava por vir. Eram mais 9km de costelas de vaca subindo uma serra que não tinha mais fim. Foi o trecho mais desgastante da viagem até aqui: "a saída de Itaeté até o fim das costeletas de Beth". Sob um sol abominável e subindo por uma estrada de pedra e chão, com a barriga já ameaçando reclamar o meio-dia, sentindo o corpo cada vez mais pesado mesmo sabendo que é leve que ele vai se tornando a cada segundo, até que acabou. As costelas/costeletas/chuletas desgraçadas  de Beth deram lugar a um asfalto quase impecável por um bom trecho e um verdadeiro tapete no restante.  Encontramos um ciclista, Isoldino, do Assentamento Santa Clara. No seu vilarejo também tem uma "Beleza Natural Imperdível" a um preço baixíssimo, mas o nosso "tempo"... 
Chegamos em Rio Una às 13h, no bar de Sidney (proprietário) e Nildenor (graçon figura), que além de salvar nosso almoço ainda nos deram dicas importantes de mais pontos turísticos de "belezas naturais Imperdíveis" que não iríamos ver dessa vez. Sidney falou sobre os perigos da estrada e das carretas que descem sempre cautelosas, mas que de vez em quando não conseguem evitar algum deslize, que com ciclistas, nosso caso, poderia ser fatal.
Depois que saímos de Rio Una, até Igatu, ainda andamos mais uns 20km depois pegamos uma estrada de barro e pedra descendo mais 7 km na escuridão, ouvindo apenas os sons da noite. Foi uma jornada bem difícil, mas teve recompensa. A cada metro abaixo se viam as furtivas luzes da cidade aparecendo e desaparecendo em meio à vegetação e ao relevo e eu sentia todo o meu corpo "se bulindo".
Logo em nossa chegada, uma pizza de boas vindas e de gratidão por estarmos naquele lugar encantado, servida por Nil(zete), um anjo que com toda a sua paciência nos ensinou quase tudo sobre a vila de 350 habitantes quase invisível mesmo a poucos metros: "nada de cartões de crédito ou celular." Eu que já estava sem quase nada, acabei por me quebrar. Até chegarmos ali não planejamos nos reter em nenhum lugar mais que uma noite. 
Porém, contudo, mas, dadas as circunstâncias, nada mais justo que passarmos ao menos uma manhã descansando de verdade e conhecendo um pouco mais daquele lugar  fantasmagoricamente esplêndido.



Passamos a noite na Pousada Xique-xique do nosso já velho amigo, Rafa, ainda encontrei o Marcos (guia de Lençóis) que conheci há um ano na Toca do Macaco (trilha da cachoeira da Fumaça por Baixo). É sempre bom rever amigos, ainda mais conhecidos em lugares tão espetaculares. Depois de um breve papo com essa galera resolvi dar uma volta solitária na noite deserta e sombria de Igatu, reparando no contorno das montanhas em volta, também no céu, no silêncio e na energia imensa e cativante do lugar e voltei pra dormir. 
A manhã de descanso serviu para lavarmos roupa, passear um tiquinho e conhecer mais uma alma de valor inestimável: Pedrinho. Sabe aquele cara que conversa com você sobre todas as coisas com a mesma com desenvoltura, isenção, naturalidade, dirimindo cada dúvida do seu peculiar ponto de vista pormenorizadamente e com um bom humor invejável. Tomamos o café da manhã ouvindo suas histórias e depois, no almoço, a gente teve mais uns minutos de conversa bem animada com ele, Nil e as crianças. Ficamos pouco mais de 12 horas em Igatu, mas o sentimento de tristeza ao deixar aquele lugar parecia o de alguém que estava derixando o próprio lar. Subimos a serra.

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