sexta-feira, 16 de junho de 2017

Mucugê - Cascavel - Ibicoara - Cascavel

Na lanchonete parei pra comprar um suco tive um breve bate-papo com o dono e uma moça sobre o pedal e sobre o melhor caminho para Ibicoara. Ela foi bastante enfática ao falar sobre o caminho por Cascavel que era "muuuuito mais perto e mais bonito" e que eu deveria seguir por ali, mas eu tinha cá minhas dúvidas. Pelo asfalto eu ando mais rápido, mas pela estrada de terra eu poderia apreciar paisagens mais incríveis do planeta. 
Saí tarde pra um pedal saudável. Fazia um sol formidável e o céu estava claro como gostaria que estivessem as ideias em minha cabeça. Confesso que apesar desse ser o último trecho de minha jornada eu estava me sentindo igual a como saí de Periperi: Completamente sozinho e perdido.
A medida que me afastava das pedras de Mucugê e descobria as de Ibicoara sentia que todo o meu corpo ia mudando. Algo que eu não senti em nenhum outro momento em minha vida, estava perdido, mas me sentia forte, seguro, livre e feliz. Ia encontrar com amigos queridos que não via a algum tempo: Mau e Lua, e poderia esquecer um pouco que a metrópole existia. 
Procurei um canto sossegado pra tomar meu café da manhã embora toda a estrada fosse sossegada durante alguns quilômetros não havia sombra era só as margens de uma espécie de tomateiros espinhosos e outras plantas baixas umas um pouco mais hostis, outras um pouco mais simpáticas. Ao longe tudo eram fazendas e plantações. Comi meus sanduíches com o suco do “Sr. Deguste”, numa beira de mata confortável. Fiz uma checagem no perímetro e vi que por ali passara algum animal diferente tipo um tatu ou tamanduá, pois deixaram marcas no chão bem estranhas. Observei mais contemplativamente a paisagem e tive um tipo de orgasmo. – As montanhas me pertencem! Eu pertenço às montanhas! Estava indo me reconectar com uma energia que sempre esteve conectada comigo, mas eu não sabia o que estava sentindo. Tomei um susto e meu rumo.
Cheguei no posto que fica na entrada de Cascavel eram 13h. Mais da metade do caminho já havia sido percorrido agora era só manter o ritmo e chegar suavemente em Ibicoara e abraçar meus amigos. Como eu não sou um cara de um só ritmo entrei em Cascavel e mudei a melodia para um toque mais clássico. Segui a estrada de terra e entreguei meu destino à minha própria sorte, com ela eu não me perderia e chegaria são e salvo. O que eu não sabia é que ela tinha planos ainda mais inacreditáveis para mim.
A primeira formidabilidade (por onde anda Raquel?) da trilha foi um rio numa localidade chamada de encantada, queria parar, mas achava melhor seguir pois com bagagem pedalar por terra não é tão tranquilo. Não me arrependo, mas não aconselho a sair carregando bagagens em  vias complicadas. Vi mais umas duas cachoeiras a uma certa distância até chegar num lugar inacreditável cujo nome eu não faço ideia, mas era uma queda de uns 200 metros que escorria fininha por um tubo de uma mini-represa que fizeram no alto, mas a paisagem não deixou de ser fantástica. Mas não foi o único lugar que eu parei apenas para olhar. Segui o barco.
Numa descida muito longa a uns 50 km/h esqueci completamente o freio da bicicleta e quando pensei que poderia vir uma curva já era tarde, a curva era fechada demais e entre me esborrachar no chão ou voar rumo ao desconhecido optei pela liberdade. Voamos eu e Marieta sobre a vegetação marginal e naqueles 3 segundos de desespero eu não tive coragem nem mesmo de fechar os olhos. Ouvi barulho de bicicleta caindo na água e logo estava eu completamente a salvo e encharcado. A bagagem fez a bicicleta flutuar e tão rápido quanto caí foi a velocidade com que tirei Marieta da água e verifiquei tudo. A mancha de óleo na água era a única coisa que estava fora da ordem. Não me contundi e a bike não teve praticamente nada a não ser uma pequena peça do bagageiro que já estava condenada. Não podia olhar o violão, mas que opção eu tinha? Segui o bonde.
Algumas subidas eu não podia mais fazer pedalando pois a areia na corrente não deixava. Seguindo a estrada agora mais suavemente, algumas paradas só para contemplar a formidabilidade da paisagem e o pôr do sol lindíssimo de cima do morro. Pena eu não ter trazido câmera fotográfica dessa vez, mas acreditem em mim.
Cheguei em Ibicoara ainda estava claro. Fui penetrando a cidade e tentando encontrar alguma indicação de que caminho seguir agora. Perguntei a um jovem como fazia para chegar em minha localidade e ele me indicou a outra rua, andando pela outra rua perguntei a uma moça como chegar lá e ela me disse: “Tome esse caminho aqui direto! Não entre em nada, nem no posto, e logo um pouquinho depois do posto é essa sua quebrada.” E lá me fui em direção à saída de Ibicoara enquanto escurecia depressa demais.
Passei por uma placa que dava as boas vindas a cidade e fui saindo, nada de posto nada de localidade e noite entrando. Não estava mais seguro pedalar, era escuro e eu não tinha nenhuma iluminação além da faixa de segurança que cruza meu peito e costas. O telefone tocou, mas eu não conseguia atender, pois era arriscado demais e enquanto ia anoitecendo eu ia descobrindo a outra formidabilidade perdida: o céu.
A medida que eu me afastava, escurecia e o céu brilhava e me encantava de uma maneira que fiquei completamente enfeitiçado, possuído. Não importava a distância nem o decorrer do tempo. Estava agora empurrando a bicicleta na beira a estrada fria e aparentemente solitária, mas ia conversando com as estrelas e elas me entendiam. Algumas não queriam falar comigo e iam saindo de perto traçando riscos, outras brilhavam ainda mais esplêndidas e me perguntavam coisas para as quais eu tinha respostas prontas e seguras e seguimos assim por vários quilômetros noite afora até que a lua saiu de lá de trás do morro e passou a exigir seu lugar na conversa. Então montei novamente em Marieta e comecei a pedalar com segurança novamente. Não sentia frio, não sentia cansaço, não sentia nada. Talvez uma decepção por não ter encontrado os meus amigos, mas eu também precisava conversar com meus amigos celestiais e nessa mistura de encantamento e loucura estava de volta ao posto em Cascavel. Era meia-noite. Parei numa pousada e perdi o último tostão.

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