Chegando
no ferry-boat ainda sem saber onde ir, tudo o que eu queria era sair
dessa cidade hostil. Comprei meu bilhete, próximo (Ana Nery) sairia
às 15h. Aproveitei pra mandar algumas mensagens de despedida para
algumas pessoas que gostaria de ver, mas não pude. Não sabia se ia
voltar, acabei ainda gastando mais dinheiro no fim de semana por
ansiedade e insanidade e isso encurtaria minha viagem para qualquer
lugar. Pouco me importava, o que eu queria era sossego e não se
precisa de muita grana pra se estar em paz, mesmo viajando de
bicicleta.
O
mar estava calmo e à medida que o ferry se afastava da cidade eu
sentia meu coração aflito começar a se acalmar no balanço das
ondas. Eu ainda não sabia onde ia, mas estava feliz por deixar a
cidade. Me sufocava e enraivecia-me a cada dia e não estava
conseguindo suportar a mim mesmo. Quando a gente se perde dentro de
si mesmo, se desconhece, passa a duvidar, passa a contrariar, é
triste. Conseguir reconhecer e se sentir bem é difícil. Querer ser
você mesmo é impossível. Na cidade você não tem liberdade de
escolha: você é o que as pessoas do seu cotidiano acham que você é
e pronto.
Se
eu fosse um cara retado mesmo um dia desses ia a pé com Conhaque por
aí, mas eu não sou esse bicho brabo todo e em vários lugares algum
sacana ia empombar com um animal feliz. Eu nem sei como é que eu
consigo amar com tanta loucura tanta gente se às vezes eu nem mesmo
consigo me tolerar fazendo parte da humanidade. Gosto mesmo é dos
pássaros e répteis, plantas e fungos, caninos e felinos, coisas
desse tipo, mas grande parte das pessoas nem sequer nota a presença
da natureza e da força criadora do mundo à sua volta, seduzindo e
manipulando sua vida, preferem ser seduzidos e manipulados pelo
dinheiro, muitas vezes sem se importar a sua origem, fim.
Cheguei
em Bom Despacho e comecei a pedalar. Queria chegar pelo menos em
Nazaré das Farinhas antes de anoitecer, mas a tarde era tão feia
quanto havia sido todo o dia, figurativamente falando, pois não tem
nada de feio na chuva e, apesar de estar nublado não tinha sentido
os pingos na pele ainda nesse dia. Logo nos primeiros quilômetros eu
vi que era inútil tentar chegar em Nazaré, então fiz minha
primeira mudança de planos e tracei Barra Grande como meu destino:
Pousada Beira da Ponte. Ótimas lembranças da juventude lá. Eram as
mesmas ruas de 18 anos atrás, mas não se parecia em nada com o
passado, parecia mais um bairro praiano de Salvador.
A
pousada não existe mais, se tornara casa de alguém, provavelmente
de algum dos 9 filhos de dona “Coizinha”, talvez até de todos
eles. Olhei em direção ao antigo bar de “Seu Minino” e estava
fechado. Já era quase noite e estava frio e ventando, provavelmente
iria chover logo e eu não queria ficar de bobeira então fui até
onde no passado havia um campinhg, que para minha maravilhosa segunda
surpresa também não existia mais. Mudança de planos 2: “vou
pedalar até não dar pra ver mais nada”. Saí frustrado de Barra
Grande, mas era bom que eu ia ficando ainda mais longe de Salvador.
Lá
pelos 20km da BA 001 já não havia mais nenhuma luz natural e eu não
ia parar pra pegar lanterna e adaptar como farol, porque ia chover e
eu ia ficar na maior roubada, então entrei em Tairú-Y a fim de
encontrar uma pousada barata, mas ao ligar para um telefone de uma
que passei em deram logo a facada: “85 reais, mas como você é
sozinho eu faço 60.” Um cara como eu acostumado a dormir por 10
reais não ia pagar 60. Parei num boteco em Aratuba e, conversa vai
conversa vem com o dono do bar, descolo uma pousadinha honesta e com
janta. Precisava relaxar meus ossos.
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