segunda-feira, 27 de março de 2017

Pedal magnificente

Certo domingo acordei sem saber bem como tinha chegado em casa. Estava inteiro e nem tinha ressaca, incrível! Eu sabia que a casa não tinha nem mesmo uma rosquinha pro café da manhã, mas eu ainda tinha uma merreca escondida de mim mesmo em algum lugar. Não sentia absolutamente nada a não ser uma vontade absurda de sair e não tinha um destino, não tinha nem mesmo vontade de ver ninguém, não estava a fim de pensar se estava bem ou mal, não queria saber de histórias nem de leotrias só queria me sentir parte do planeta como qualquer outro animal livre.
Mas como eu poderia estar tão louco para sair e pedalar de novo se ontem eu já tinha feito um passeio esplêndido subindo a estrada velha até o Hospital do Subúrbio e invadindo a mata por ali e fazendo uma trilha muito tranquila até sair em Mirantes de Periperi. Depois foi só cachaça e por isso eu não conseguia me lembrar como chegara em casa, mas se eu estava bem e tudo estava em ordem, algum amigo, provavelmente, me trouxera(que Jah o abençoe!).
Quando dei uma panorâmica pelo quarto vi que o estrago não tivera sido muito grande e pra minha surpresa ser ainda mais surpreendente havia ganhado um isqueiro e tinha uma brenfa que daria pro baseado da manhã e tornaria o pedal ainda mais significativo, mas eu ainda não fazia idéia de como tudo aquilo tinha se passado. Tomei um banho e vestido de short, camiseta surrada, sandália e boné fui ter com minha bike que ainda carregava a lama do pedal de ontem pela mata do cobre, então saí
Em minha cabeça, se eu estou em qualquer lugar entre Paripe e a Cidade Baixa sou um local então não ligo mesmo muito para a minha aparência quando estou a fim de dar uma volta "por aqui”. Mas isso é porque eu sou mesmo um sem-noção, pois um negro de meu tamanho mal-vestido e barrunfado vai ser notado e provavelmente mal-visto em qualquer lugar que chegar, mas eu não ligo, porque também sei que nesse perímetro alguém me conhece ou eu conheço alguém que me faz ser bem chegado e livre de todo o mal. E por aí fui com minha bike procurar um lugar pra degustar meu fino e pensar em minha vida fracassada e sem destino.
Domingo às 6 da manhã é a minha hora favorita. Já fiz até música pra sacramentar. Caminhada, malhação, corrida, ciclismo, sexo é muito mais gratificante, vá por mim! Se você puder fazer uma meditação ou qualquer atividade que exija uma força espiritual muito grande, pode acreditar que a força dessa hora vai lhe ajudar. Lá fui eu com minha Marieta pela ciclovia desgraçada de ACM Neto em direção a Paripe. Queria meditar com o que me deixaram, e sequer sabia quem tinha sido, em um lugar sossegado e a estrada da Base Naval possui um dos pontos mais incríveis pra se sentir esquecido do mundo no topo de um dos morros que a rodeia. Eu deixo a bicicleta parada lá embaixo na beira da estrada e subo, fico lá de cima em contato com a natureza, purificando meu ouvido de tanto barulho com o canto dos pássaros livres, degustando, contemplando e registrando o movimento de atletas e veículos. De vez em quando alguém curioso em ver a bicicleta ali sozinha, mas de lá de cima eu não erraria uma pedrada. Nem mesmo a polícia me assusta ou se assusta mais quando passa, pois eles sabem que não estou devendo nada, ou não daria uma bandeira enorme daquela.
Depois, com a cabeça lindamente feita e o espírito altamente purificado desço do morro e pego a Marieta pra a gente, aí sim, começar o dia. Eu ainda ia tomar o café da manhã, mas aonde eu iria? Ainda tinha o pedal de volta pra Periperi e ainda tinha tanta gente que eu poderia ir ver antes de voltar, mas era cedo pra caramba pra incomodar alguém e nem mesmo o celular estava comigo pra eu fazer a consulta. A única coisa que eu tinha certeza que não ia me decepcionar era a Feijoada de Gil e Josineide na rua das Virgens que já faz é tempo que salvava as minhas manhãs de domingo.
Não há nada melhor que uma mente tranquila e apesar de ainda não lembrar como chegara em casa e não ter nenhum rumo em minha vida aquele era o momento em que o mundo podia mesmo acabar, pois estava tudo bem demais. Pra encerrar a manhã perfeita eu só precisava descer a estrada velha de Periperi que também possui um dos visuais mais incríveis desse lado pobre do mundo. Pena que em breve esse visual deve sofrer drásticas mudanças, mas enquanto elas não vem lá fui eu descendo com Marieta e me sentindo cada vez mais lindo. Quando parei na feijoada eu estava num estado de espírito tão elevado, que um dos clientes me olhou disse para ir com cuidado pois chegara muito emocionado pra comer esse feijão. (Pode?) Eu estava visivelmente sedento e faminto, creio que foi isso que ele quis dizer. Não tinha comido nada nem bebido água desde que acordei.

Não é a solidão que faz a perfeição, mas a harmonia entre os seres e o ambiente e nessa manhã eu realmente pude me sentir em harmonia com o mundo, como se o próprio Deus Todo Poderoso estivesse no comando de minhas ações. (Obrigado Senhor, por me fazer capaz de reconhecer!) Enquanto saboreava o feijão fiquei sabendo como cheguei em casa no dia anterior e com a clareza tudo ficou ainda mais perfeito.

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