Lá
vai o cara todo rôto com sua bicicleta. Ele não carrega documentos,
armas ou dinheiro. Apenas uma caixeta de drops ice-kiss contendo meio
baseado, que ele não precisara do todo para se satisfazer, e um
isqueiro desses bem vagabundos que perigam explodir. Aparentando seus
22 anos, negro. Estava tranquilo, porém não sabia exatamente que
caminho tomar para retornar à sua rotina diária. Caminhando à sua
frente uma jovem estudante com seus cadernos, cabelos e melindres,
apressada em direção ao ponto de ônibus pela rua semi-deserta.
Fone de ouvidos tocando sabe-se lá o quê mexendo ao smartphone.
Logo o ciclista irá ultrapassá-la, mas antes desse encontro, a
caminho de sua ronda matinal nas padarias e mingaus do bairro uma
viatura se aproxima de ambos. O soldado cutuca o cabo e diz-lhe:
-
Tá vendo ali? Se vacilar vai pegar a guria ali. Vamo pegar ele logo!
-
Ele quem?
-
O cara da bicicleta ali ó! (…)
A
viatura pára e enquadra o ciclista...
-
Bóra! Desce! Frente pra parede! Mão na cabeça! Abre as pernas!
...que
nada tem a mostrar além de meio baseado numa lata e um isqueiro.
-
Ia abrir o dia ainda, né vagabundo?! Achou que ia pegar a guria ali,
é? - Começou o soldado cheio de ódio em sua voz. - Agora quem
perdeu foi você!
-
Que guria, man? Nem tava vendo guria nenhuma.
Tapão
nas costas e:
-
Cala boca, viado! Te perguntei porra nenhuma não! Sem documento...
todo errado!
Mas
o ciclista não ia ficar quieto só porque tava “todo errado”.
“Mas afinal de contas, por que será que um negro não pode sair
para fazer exercícios apenas com a roupa do corpo?” Pensava ele
que do alto de sua tranquilidade pós meditação segue no diálogo:
-
Velho, tô muito doido, não tô armado, vou roubar como? Quem?!
Mas
o soldado pegou o baseado e o isqueiro e levou ao seu superior, que
até então não sabia que o ciclista era seu conhecido.
-
Como é seu nome? - Perguntou o sargento.
-
Fulano de Cicrano dos Santos Coisin.
-
Você é filho de Fulano Coisin da rua Tal?
-
Sou sim. Só tem eu mesmo.
-
E o que você tá fazendo aqui, rapaz? Maconha?!
-
Eu fui fumar e tava voltando pra casa.
-
Mas como é que sai de casa assim sem documento, todo mulambento?
-
Eu só saí pra espairecer porque meus estudos que estavam me
apertando...
-
E você estuda o que?
-
Faço ciência da computação.
O
sargento devolveu-lhe o beck e o isqueiro e lhe contou que suas
famílias eram próximas no passado e que por isso não o levaria
para a “averiguação”, mas que ele não devia andar assim pelas
ruas do bairro, pois a qualquer momento pode não ter tanta sorte de
ser apenas enquadrado.
-
A cidade anda muito violenta. Não ande por aí assim que você pode
ser confundido e morrer uma hora dessas. - disse o sargento se
despedindo.
-
Obrigado! - aliviou-se o ciclista.
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