quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A ocasião faz o ladrão

Lá vai o cara todo rôto com sua bicicleta. Ele não carrega documentos, armas ou dinheiro. Apenas uma caixeta de drops ice-kiss contendo meio baseado, que ele não precisara do todo para se satisfazer, e um isqueiro desses bem vagabundos que perigam explodir. Aparentando seus 22 anos, negro. Estava tranquilo, porém não sabia exatamente que caminho tomar para retornar à sua rotina diária. Caminhando à sua frente uma jovem estudante com seus cadernos, cabelos e melindres, apressada em direção ao ponto de ônibus pela rua semi-deserta. Fone de ouvidos tocando sabe-se lá o quê mexendo ao smartphone. Logo o ciclista irá ultrapassá-la, mas antes desse encontro, a caminho de sua ronda matinal nas padarias e mingaus do bairro uma viatura se aproxima de ambos. O soldado cutuca o cabo e diz-lhe:
- Tá vendo ali? Se vacilar vai pegar a guria ali. Vamo pegar ele logo!
- Ele quem?
- O cara da bicicleta ali ó! (…)
A viatura pára e enquadra o ciclista...
- Bóra! Desce! Frente pra parede! Mão na cabeça! Abre as pernas!
...que nada tem a mostrar além de meio baseado numa lata e um isqueiro.
- Ia abrir o dia ainda, né vagabundo?! Achou que ia pegar a guria ali, é? - Começou o soldado cheio de ódio em sua voz. - Agora quem perdeu foi você!
- Que guria, man? Nem tava vendo guria nenhuma.
Tapão nas costas e:
- Cala boca, viado! Te perguntei porra nenhuma não! Sem documento... todo errado!
Mas o ciclista não ia ficar quieto só porque tava “todo errado”. “Mas afinal de contas, por que será que um negro não pode sair para fazer exercícios apenas com a roupa do corpo?” Pensava ele que do alto de sua tranquilidade pós meditação segue no diálogo:
- Velho, tô muito doido, não tô armado, vou roubar como? Quem?!
Mas o soldado pegou o baseado e o isqueiro e levou ao seu superior, que até então não sabia que o ciclista era seu conhecido.
- Como é seu nome? - Perguntou o sargento.
- Fulano de Cicrano dos Santos Coisin.
- Você é filho de Fulano Coisin da rua Tal?
- Sou sim. Só tem eu mesmo.
- E o que você tá fazendo aqui, rapaz? Maconha?!
- Eu fui fumar e tava voltando pra casa.
- Mas como é que sai de casa assim sem documento, todo mulambento?
- Eu só saí pra espairecer porque meus estudos que estavam me apertando...
- E você estuda o que?
- Faço ciência da computação.
O sargento devolveu-lhe o beck e o isqueiro e lhe contou que suas famílias eram próximas no passado e que por isso não o levaria para a “averiguação”, mas que ele não devia andar assim pelas ruas do bairro, pois a qualquer momento pode não ter tanta sorte de ser apenas enquadrado.
- A cidade anda muito violenta. Não ande por aí assim que você pode ser confundido e morrer uma hora dessas. - disse o sargento se despedindo.

- Obrigado! - aliviou-se o ciclista.

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