terça-feira, 4 de agosto de 2009

Trilha do Cobre 25/07/09


Cheguei em casa de sexta-feira, às três e meia da manhã de sábado. Às cinco e meia eu teria que ir para o Terreiro de Gaia, casa de Wallace, a fim de encontrar o pessoal pra descermos para a mata. Mata essa que fica entre os bairros de Periperi, Valéria, Alto do Cabrito, Plataforma, Pirajá e mais algum, ou alguns, que eu possa ter me esquecido. Como sempre eu não consigo dormir imediatamente, então fui dar comida a Conhaque, que não poderia comer de manhã, fiz a minha especialidade da madrugada, comi, coloquei um filme no dvd e me deitei a fim de adormecer rapidamente, coisa que realmente aconteceu.
Acordei com o telefone tocando às 7:59. Era J. Tentei ser ágil, mas um programa sobre Golfinhos Rotadores me entreteve em frente à tv por alguns preciosos minutos e eu sequer comi qualquer coisa antes de sair. Minha “pochete-mochila” foi pessimamente arrumada por mim mesmo e esqueci de pegar as garrafas de água, frutas e tudo que poderia ser útil na mata. Também não passei na padaria para comprar pão, ou qualquer coisa para o desjejum, por pura preguiça e cheguei no Terreiro de Gaia muito empolgado com a ida à mata.
A equipe trilheira seria formada por mim, J, Êa, Impuro, Doida e James, além dos cães Conhaque e Sadam, o Cão d’água. Logo na entrada no terreiro os cães se estranharam e conhaque levou algumas mordidas de Sadam e Black, a dona da casa, mas logo conseguimos controlá-los cães e separá-los. Encontrei apenas J, Doida e Impuro. James não atendia o celular e quando atenderam disseram que ele esqueceu em casa. Êa disse que acordara e vira o céu nebuloso e achou que não iria dar mata, por isso ficou dando uma força ao seu pai em algum serviço caseiro. Foram chegando outras pessoas no Terreiro, mas ninguém que estivesse animado em fazer a trilha e aos poucos a equipe também foi esmorecendo.
O Impuro foi o primeiro a desistir alegando afazeres conjugais. James apareceu, mas já estava decidido a não descer, pois para ele deveríamos ter saído mais cedo. Ralo, que havia quantizado para a mata dar certo chegou também, mas com duas panelas de barro na intenção de fazer uma feijoada. A doida também já havia desistido quando o meu celular tocou. Era meu irmão me avisando dos perigos da mata, que fulano de tal foi levar um curió e foi roubado etc. Expliquei que ia com uma equipe grande e que ainda iriam 2 cachorros, que ele não deveria se preocupar e pensar sempre em coisas positivasQ1.
J estava conversando com alguém, quando eu anunciei que também havia desistido, porque estava sentindo muita energia e pensamento negativo em volta dessa trilha, e já estava me sentindo mesmo incomodado com aquilo. Ele me olhou um tanto surpreso, mas em nenhum momento fez alguma censura. Terminou o seu diálogo e disse que estava indo assim mesmo. Nesse meio tempo, eu havia telefonado para casa avisando que não iria mais e que ninguém tinha com o que se preocupar, mas quando J anunciou que iria mesmo sozinho, eu, prontamente, disse que iria também. E Saímos apenas os 4: Eu, Conhaque, J e Sadam.
No caminho, a poucos metros do Terreiro de Gaia, Conhaque apresentou sinais de que não estava bem. Começou a golfar, mas nada saía, apenas água, que ele bebera muito no Terreiro, uma espuma parecida com a que eu golfo quando acordo de ressaca (mas pensei besteira) e restos de ração. Minha preocupação voltou e eu já começava a pensar que ir era mesmo uma péssima idéia com mais essa “quizira”. Mas conhaque parou de golfar e voltou a caminhar alegremente, tentando alcançar Sadam a fim de brincar, ou devolver a porrada, sei lá.
A caminhada era bastante longa: 1km no plano, do Terreiro de Gaia até a ladeira de Mirantes; 1km de subida até Mirantes, de onde encontraríamos a trilha para invadir o matagal que não fazíamos idéia da distância. Antes da subida de Mirantes Conhaque já demonstrava cansaço e queria parar a cada sombra. Realmente fazia um certo calor, e ele, que não costuma caminhar tanto, devia estar exausto, coitado. J também não lembrou de trazer as outras garrafas de água e viera apenas um litro de água para nós 4.
Quando terminamos de subir Mirantes, Conhaque começou a golfar novamente e novamente eu pensei em desistir, mas lembrei que ao entrar na mata toda aquela energia iria mudarQ1 e ele melhorou novamente, e nós entramos. Nos primeiros metros de trilha soltamos os cães e eles puderam correr livremente, mas não por muito tempo, pois foram aparecendo pessoas. Primeiro um “brodinho” com cara de fugitivo, depois um velho mateiro cheio de cachorros, que seria o nosso primeiro oráculo, mas por estarmos segurando nossos cães nem pudemos trocar uma idéia.
Passamos um curto trecho de floresta e chegamos em uma clareira. Foi o primeiro ponto onde paramos para descansar e admirar a paisagem. Havia uma nascente de água atrás de um bambuzal semidevastado onde os cães se refestelaram e voltaram para descansar aos nossos pés. Conhaque tinha um palmo de língua para fora, mas estava com uma cara tão feliz... alguns poucos minutos depois ele já corria como um louco pelo campo com o outro cão igualmente bêbado dos efeitos da mata.
Depois da pequena pausa, nenhum de nós sentia nenhum tipo de cansaço ou indisposição, queríamos apenas nos aprofundar mais nos encantos e mistérios da mata que estava em nosso redor, mas não sabíamos bem por onde começar. J sugeriu uma trilha para o norte e lá fomos nós. Passamos por um caminho que chamamos de “Tubulão”, uma espécie de túnel formado pela vegetação. Um pouco à frente havia um entroncamento e decidimos ir pelo caminho que se iniciava pelo “parque de bromélias”. Em um dado momento, Conhaque me chamou para que eu passasse ele por um tronco que ele, apesar de saltador, não queria pular de jeito nenhum. Mostrei a ele como se fazia, mas ele queria que eu o carregasse. Não faço idéia do porquê disso, mas não cedi à sua súplica e continuei andando e camando por ele que não me seguia. Até que eu voltei um pouco e o encontrei num lugar totalmente diferente (ele havia dado a volta no tronco) no meio do matagal. Chegamos num lugar que já havia sido batizado antes de “Santuário das Jaqueiras”. Detentor de uma paz divina e de uma beleza inigualável. Com árvores tão grandes como prédios de 20 andares, com troncos largos e finos e de onde podia se ouvir o canto de todos os pássaros e até mesmo das próprias árvores, que pareciam brincar entre si com o bailado de suas copas bem no topo do céu.
Continuamos em frente, tirando as teias das diversas espécies de aranhas que encontramos pela trilha (deveriam estudá-las), fomos descendo o vale seguindo, além do nosso, o instinto dos cães que se mostravam cada vez mais empolgados, e, finalmente, encontramos o rio do Cobre numa visão realmente de perder a voz.
Os cães não perderam tempo e se jogaram na água, eu e J ficamos admirando o rio e olhando em volta, algum outro lugar onde pudéssemos também entrar no rio num local mais claro e aberto, pois ali deve habitar ainda jacarés e sucuris. Nesse mesmo instante lembrei de tirar os cães da água até que estivéssemos num lugar mais aberto. Sadam não demorou a aparecer, mas conhaque não havia conseguido subir. Ainda pude vê-lo nadando ainda para mais longe pela beira do rio, mas ele não se voltava e não parecia querer me dar atenção, ou simplesmente não me ouvia, o fato é que ele simplesmente desapareceu.
Sadam entrou novamente na água, creio que a fim de procurar seu amigo, mas o chamamos de volta e ele não conseguiu subir. Não conseguia passar por um tronco que estava em seu caminho e não conseguia contorná-lo, foi ficando cansado e começava a tomar uns “caldos”. Nessa hora a minha preocupação com Conhaque atingiu o ápice, pois Sadam era um cão bem mais experiente. Descalcei os tênis, tirei a pochete, e me joguei no rio com o celular no bolso, mas consegui resgatar Sadam. Conhaque continuava desaparecido.
Desde sempre eu ouvia histórias de ataques de sucuris e jacarés pelas bandas dos brejos de Periperi e adjacências, mas isso nunca me assustara tanto como naquele momento. Chegou a passar pela minha cabeça e pela de J que Conhaque podia ser atacado por um desses animais, mas como eu não cheguei a ouvir nenhum gemido, ou latido minha esperança de encontrá-lo vivo era praticamente uma certeza. Não via nenhuma trilha seguindo a beira do rio, mas tornei a calçar o tênis para continuar a busca por Conhaque, que não emitia nenhum sinal audível. Quando calcei o segundo pé, fechei os olhos e uma tristeza me abateu. Vi em minha mente a imagem de um cão boiando, morto, preso na vegetação da margem. Levantei a cabeça ainda com os olhos fechados e o pranto me chegou às orelhas, ou direto à mente, eu sabia que Conhaque me procurava e tinha que encontrá-lo. Levantei-me e pus-me a abrir uma trilha pela margem com o meu cajado mágico, gritando por Conhaque e tentando não perder o rio de vista.
Paramos para tentar escutar algum sinal de Conhaque e ouvimos um uivo. “Era ele!”, eu não tinha dúvidas. Segui a direção do som e ele soltou mais um uivo ainda mais claro, poucos metros depois pude vê-lo já fora d’água, cercado por uma espécie de planta cipó que se vê por toda floresta. Ele estava bem e conseguiu logo achar uma brecha e vir me dar um verdadeiro abraço. Ele estava muito feliz por ter nos encontrado e nós jamais saberemos pelo que ele passou nesse tempo sumido, mas eu sei o que passei e o quanto aquilo era maravilhoso eu não poderei descrever, por mais que eu fale de ter acordado tarde, de várias pessoas terem desistido, do fato de até meu irmão ter me ligado preocupado com essa mata, e de até o próprio Conhaque ter passado mal antes de chegarmos nela, não sei como eu agiria perante todos, ou perante mim mesmo, sei lá. Sei que aquele foi um momento mágico, místico, transcendental, fenomenal, benevolente, superlativo, espetacular, fabuloso...
Já tinha meu cão de volta e não queria mais olhar para “a cara” do rio. Saímos dali rapidamente e encontramos o que J chama de “Árvore de Deus”. Uma árvore imensa, que tinha uma outra árvore como parasita igualmente gigante. Paramos para um novo descanso e para nos refazermos dos últimos acontecimentos: Perdi meu cajado mágico quando encontrei Conhaque e me celular tomou um banho e não devia mais voltar, mas eu estava na verdade muito feliz por não ter perdido meu cão e por Sadam, Conhaque, eu e J também estarmos vivos e bem.
O despreparo para a trilha foi geral. Comemos uma tangerina e bebemos água durante a parada e foi tudo o que a gente comeu durante todo o percurso, havia esperança de se encontrar uma jaca, mas nada. Admiramos um pouco mais a “Árvore de Deus” e continuamos o nosso caminho, ou pelo menos tentamos, porque perdemos a trilha e deixamos os cães decidirem por onde irmos.
Eles nos levaram por uma trilha que descia novamente um vale, mas algo me fez sentir a presença de mais alguém. Chamei Conhaque, Sadam também ficou atento e tentamos escutar a mata para identificar algum som estranho a tudo o que a gente já estava acostumado a ouvir, mas nada. Descemos pela trilha e encontramos um homem parado no meio do caminho com um saco e um facão no chão, um tanto desconfiado e o cumprimentamos.
Seu nome era Nailton e ele nos deu algumas informações valiosas sobre a mata e suas trilhas e disse que estava parado ali pegando água que descia do monte formando um pequeno riacho. Contou que aquele riacho aparecia apenas no período de chuva e sua água era pura e milagrosa. Segundo Nailton, algumas pessoas utilizam aquela água para beber e também pra banhos medicinais, pois se acredita que aquela água possui propriedades curativas. Claro que aproveitamos para encher a nossa única garrafa de água e nos hidratarmos mais um pouco, além de dar um banho nos cães pra livrá-los de alguma doença que eles pudessem contrair (cada um crê no que quer quando acha mais conveniente)Q2.
Nos despedimos de Nailton e passamos a chamá-lo, entre nós de oráculo, visto que ele estava ali justamente para nos mostrar que nada de mau poderia nos acontecer naquela mata a não ser que nós mesmos nos descontrolássemos ou faltássemos com respeito à mesma, menosprezando sua imponência, importância e magia. A mata era auto-suficiente e nós ali éramos apenas uns animais como quaisquer outros.
Voltamos pela trilha e encontramos o caminho pelo qual havíamos entrado, chegando ao “Parque de bromélias” e o caminho que levava ao Tubulão, mas ainda havia uma outra trilha que ia para o outro lado e lá fomos nós ver o que nos esperava. Paramos para admirar alguns formigueiros na beira da trilha e testamos o barro que as formigas escavaram, que era de uma textura que dava vontade de esfrecar no corpo, mas continuamos nossa caminhada. Andamos alguns metros apenas admirando a paisagem, mas eu comecei a sentir algo me picando a canela. A princípio não dei muita atenção, mas o negócio começou a incomodar a vera. J disse que eram formigas, que ele as tinha visto quando a gente parou para a dmirar o barro, levantei a calça, não vi formiga, passei as mãos pelas pernas e continuei andando resistindo ao pinicar até que ele desapareceu. Encontrei um novo “cajado mágico”, maior e mais firme, que me ajudou ainda melhor a me apoiar e me livrar das plantas que invadem as trilhas querendo nos arranhar. Descobrimos que esse caminho ia muito além da nossa disposição, e também já estava ficando tarde. Havia uma feijoada à nossa espera e resolvemos voltar pra casa, passando novamente pelo ponto onde observamos os formigueiros, onde eu pude observar que todo o chão estava coberto de formigas miúdas, o que nos levou a passar por ali numa velocidade que nos classificaria para a final dos 100 metros rasos. Deixei meu novo cajado apoiado numa pequena árvore para quando eu retornar. Não queria levar nada da mata, pois entendi que já tinha tudo o que precisava.
Poucos minutos depois de entrar em casa, alguém me chama do lado de fora. Era Antônio Cláudio me avisando que no dia seguinte ia haver uma volta ciclística pela Ilha, com saída marcada para as 6 da madrugada, após um café da manhã que seria servido às 5:30 no QG de um dos grupos de pedaladas do bairro. Confirmei minha presença visto que naquela noite eu não teria speed para mais nada além de dormir cedo.

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